Após dar a luz ao primeiro filho, Lorena (nome fictício) ficou com
graves sequelas do parto normal. Por causa da alegada falta de
dilatação, a médica responsável realizou um corte extenso, entre a
vagina e o ânus. Mesmo após o período de resguardo, a ferida não
cicatrizou e provocou grandes incômodos à mulher, como incontinência
fecal e dores, precisando passar por cirurgia de reconstrução nas
paredes retal e vaginal. Por causa disso, ela receberá a quantia de R$
80 mil por danos morais e estéticos.
A sentença é do juiz Luiz Antônio Afonso Júnior, da 1ª Vara de
Ipameri. Lorena é moradora de uma cidade próxima à comarca, onde fez o
pré-natal e, no dia de dar a luz, foi encaminhada inicialmente ao posto
de saúde local. Devido a possíveis complicações pela falta de dilatação,
ela foi encaminhada a um hospital público de Catalão, com maior
estrutura. No local, gerido por uma instituição social, ela foi
atendida, mas não havia anestesista para proceder com a cesariana e, por
causa disso, precisou se submeter à episiotomia, que consiste num corte
cirúrgico a fim de ampliar o canal de parto e facilitar a passagem do
bebê.
Lorena alegou que recebeu sedativos e não foi informada sobre a real
situação de seu parto. Depois da alta médica, a mulher relatou sentir
fortes dores e desconforto, mas imaginou que seria um sintoma
corriqueiro frente ao parto. Após 15 dias, as dores aumentaram e ela não
conseguia mais controlar suas necessidades fisiológicas, tendo, então,
procurado o hospital onde foi atendida. Na unidade de saúde, contudo,
não conseguiu consulta com a ginecologista responsável pelo parto, sendo
atendida, apenas, por uma enfermeira que afirmou se tratar de uma
ocorrência normal, que melhoraria em alguns dias.
Com a piora do seu quadro clínico, Lorena voltou à unidade de saúde
cerca de duas semanas depois. No caminho, ela não conseguiu segurar as
fezes e precisou parar em uma loja para comprar novas roupas e chegar
limpa à consulta. Dessa vez, a mulher foi atendida pelo médico que
auxiliou no parto, mas voltou para a casa com o mesmo diagnóstico: seu
problema era simples e precisava, apenas, passar um remédio na cicatriz
do corte e esperar a cicatrização.
Foram meses de espera e sofrimento, conforme contou a mulher. Nesse
período, ela relatou ter passado por grandes constrangimentos e
humilhações, precisando usar fraldas geriátricas para trabalhar. Até sua
vida conjugal foi afetada, uma vez que ela e o marido não conseguiram
ter relações sexuais. Conforme fotografias arroladas aos autos, o ânus e
a vagina da paciente acabaram unidos pelo corte, o que afetou
seriamente a musculatura dos esfincteres. Seu sofrimento teve fim,
apenas, com cirurgia reparadora, deferida por decisão liminar judicial.
Sentença
Ao analisar os autos, o juiz Luiz Antônio Afonso Júnior ponderou que o
dano moral é fato incontroverso. “Houve imperícia da ginecologista ao
realizar a sutura da laceração, sem a devida proteção das estruturas,
permitindo a aproximação indevida entre a vagina e o ânus”.
Em defesa, representantes da médica e do hospital alegaram que o problema é uma intercorrência normal e atribuíram os problemas a suposta falta de cuidados da paciente. A ginecologista argumentou, também, que o quadro de Lorena era simples, com indicação de parto normal, sem indicações de cesariana ou complicações. Contudo, o magistrado destacou que o ônus da prova, ou seja, a necessidade de comprovar as alegações, cabe à parte ré.
Em defesa, representantes da médica e do hospital alegaram que o problema é uma intercorrência normal e atribuíram os problemas a suposta falta de cuidados da paciente. A ginecologista argumentou, também, que o quadro de Lorena era simples, com indicação de parto normal, sem indicações de cesariana ou complicações. Contudo, o magistrado destacou que o ônus da prova, ou seja, a necessidade de comprovar as alegações, cabe à parte ré.
O atendimento prestado à Lorena foi negligente, de acordo com
ponderação do juiz, uma vez que “a autora foi encaminhada ao centro
médico localizado em outra cidade, o que, sem sobra de dúvidas, indica
existência de parto difícil e a necessidade de uma possível cesariana,
ou seja, nenhum médico iria encaminhá-la para local diverso de onde
realizou seu pré-natal se realmente tudo tivesse correndo bem”.
Sobre o quadro de saúde da paciente, Luiz Afonso frisou que os autos
mostram se tratar de um parto difícil, pois havia posição difícil do
bebê e, ainda, circular do cordão umbilical. “Além do mais, o fato da
autora ter sido encaminhada para o parto em local diverso de onde
realizou seu pré-natal durante toda a gestão seria mais um motivo para
que a equipe médica redobrasse os cuidados em relação ao parto,
avaliando necessidade de cesariana”.
Os danos físicos e estéticos sofridos pela mulher são evidentes, na
opinião do juiz. “Ao observar as fotografias, verifica-se que a
aproximação da vagina com o canal do ânus foi tamanha que ficou difícil
separar um do outro, ou seja, a olho nu, verifica-se a união dos dois
orifícios, situação que faz com que as fezes da autora contaminem toda a
área”.
A qualidade de vida da autora e o trauma psicológico foram
considerados na sentença. “Importante ressaltar que, além da dilaceração
do canal anal, da dor, do constrangimento, da vergonha diante da
aparência física, da incontinência fecal e da constante busca de médicos
para solucionar o problema, os quais tinha de procurar fora de sua
cidade natal, demandando tempo, a autora tinha, também, uma criança
recém-nascida sob seus cuidados, o que certamente a afetava ainda mais
do ponto de vista psicológico”, ponderou o magistrado.
(Texto: Lilian Cury – Centro de Comunicação Social do TJGO)