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segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

FURTOS EM CONDOMÍNIO. QUEM PAGA O PREJUÍZO?





Há responsabilidade do condomínio por furto de objetos dos condôminos deixados na garagem?




Da Responsabilidade civil e do dever de indenizar

A chamada de cláusula geral da responsabilidade civil está prescrita no art. 186 do Código Civil nos seguintes termos:

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“Aquele que, por ação ou omissão, voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."  
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Já o dever de indenizar está no artigo 927:


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“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
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São elementos essenciais para que se configure a responsabilidade do agente causador do dano: (i) um ato danoso, seja por ação ou omissão, (ii) nexo de causalidade entre o ato e o dano e o (iii) existência do dano. 

A responsabilidade civil se divide ainda em objetiva e subjetiva. 

Na objetiva não há necessidade de a vítima provar a culpa/dolo de um ato ilícito seja por ação ou omissão do causador do dano, basta apenas provar qual foi o dano sofrido e a relação (nexo) dele com as ações do ofendido.  Exemplo: A empresa, por seus empregados, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. Neste caso cabe ao ofensor provar que não cometeu ato ilícito seja por ação ou omissão.

Na subjetiva a vítima deve, além do dano e do nexo, comprovar a culpa/dolo do ofensor.  Exemplo:  Erro médico. A vítima deve provar a culpa do médico. Neste caso o dever de indenizar dependerá da prova produzida pela vítima.

A culpa, elemento importante para caracterizar o direito de indenizar, pode ser avaliada sobre o prisma da negligência, imprudência e/ou imperícia.

Importante jurista da matéria nos ensina que “A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.” Maria Helena Diniz (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro.  17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003).


Feita esta pequena introdução, na sequência para uma melhor compreensão faremos uso de exemplo hipotético.


Caso hipotético

Morador encaminha pleito de ressarcimento de prejuízos no valor de R$ 3.950.000,00 em razão de furto de sua Ferrari 812 Superfest ano 2018 que se encontrava na garagem de sua propriedade.  Informa que teve acesso as imagens do circuito de segurança, meio pelo qual confirmou o evento.

O condomínio do caso hipotético tinha porteiro terceirizado, a convenção ou regimento interno sem previsão de ressarcimento de danos materiais e nem cláusula de indenização, o condomínio não possui vigilância e segurança contratados e o seguro contratado não abrange danos materiais e objetos em vagas de garagem

O condomínio deve ressarcir o morador prejudicado com o furto de seu veículo?


Resposta a indagação

O condomínio é um ente com personalidade “sui generis”, ou seja, não possui personalidade jurídica tal como uma empresa, mas responde por obrigações, inclusive por atos cometidos por empregados do prédio, próprios ou terceirizados, conforme o caso.

Em geral, porém, o condomínio não assume responsabilidade por objetos furtados em suas dependências, principalmente no interior das unidades autônomas (apartamento, garagem etc.), assim, não se poderia exigir dele e dos demais condôminos indenização por obrigações que são comuns.

A jurisprudência dominante não tem reconhecido o dever de indenizar do condomínio, exceto se expressamente previsto na convenção ou regimento interno tal dever, visto que o prejuízo sofrido por um condômino oneraria aos demais. Assim, é inexistente o dever de guarda e vigilância de bens particulares, para essa corrente.

Toda regra comporta exceção, assim, se comprovada a culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou então quando assume para si a guarda e vigilância de bens particulares, o condomínio pode ser responsabilizado.  Por exemplo, nos casos em que há expressa previsão em convenção, regimento interno ou aprovação em assembleia. Independentemente disto, também quando disponibilize serviços de vigilância e segurança, presença de câmeras de vigilância, cercas elétricas etc.

Por oportuno, colacionamos julgados nos dois sentidos:


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Excluindo a reponsabilidade do condomínio

EMENTA: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONDOMÍNIO. O condomínio só responde por furtos ocorridos nas suas áreas comuns se isso estiver expressamente previsto na respectiva convenção. Embargos de divergência não conhecidos. (STJ, 2ª Seção, Relator Min. Ari Pargendler, EREsp 268669 / SP; Embargos de Divergência no Recurso Especial n º 2001/0162676-0, DJ
26.04.2006 p. 198).

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. CONDOMÍNIO. FURTO DE MOTOCICLETA. GARAGEM. Não há responsabilidade do condomínio se este não assumiu expressamente em sua convenção a obrigação de indenizar os danos sofridos pelos condôminos, decorrentes de atos ilícitos ocorridos nas áreas comuns do prédio. Precedente. Recurso conhecido
e provido.” (STJ, 4ª Turma, Relator Min. Aldir Passarinho, REsp 268669 / SP; Recurso Especial 2000/0074531-6, DJ 01.10.2001 p. 222 RT vol. 798 p. 225).


Admitindo a responsabilidade do condomínio:

Todavia, o caso dos autos pode ser reconhecido como uma exceção ao que vem sendo amplamente difundido pela jurisprudência pátria, posto que, embora haja expressa exclusão da responsabilidade prevista no Regimento Interno do condomínio apelante, o fato é que este disponibiliza serviços de vigilância e segurança aos condôminos, cobrando, para tanto, taxa específica para seu custeio, como provam os documentos de fls. 23/27, além da presença de câmeras de vigilância, as quais captaram o momento do furto (fls.30).

“Não haveria razão alguma para tanto custo com segurança se, ao final, o condomínio não tivesse nenhuma responsabilidade por incidentes com bens dos condôminos. Seriam verbas utilizadas desnecessariamente, em franca sangria aos recursos regiamente rubricados e captados com sacrifícios de cada um dos residentes.” (fls. 339) (Apelação Cível nº 344594-61.2011.8.09.0051 (201193445949) – 13.11.2014


NEGLIGÊNCIA DO FUNCIONÁRIO RESPONSÁVEL PELA GARAGEM. RESPONSABILIZAÇÃO DO CONDOMÍNIO. DANO MORAL IN RE IPSA. RECURSO DA LITISDENUNCIADA. TERMO INICIAL PARA INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 54 DO STJ. PEDIDO DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. LITISDENUNCIADA QUE RESISTIU À PRETENSÃO DO AUTOR. Em decorrência da proteção da legítima expectativa, corolário do princípio da boa-fé objetiva, o condomínio assume para si a responsabilidade de guarda e vigilância da propriedade de seus condôminos, tornando irrelevante qualquer previsão de não responsabilidade constante em convenção condominial. Condomínio réu que possui: sistema de vigilância por câmeras; funcionários responsáveis por rigoroso controle da entrada e saída dos veículos; contrato de seguro com cobertura de responsabilidade civil garagista por roubo e furto. Responsabilidade pela guarda e vigilância dos veículos. Presença dos elementos da responsabilidade civil. Dano moral in re ipsa.” Precedente Citado: TJRJ AC 2008.001.23230, Rel. Des. Celio Geraldo M. Ribeiro, julgada em 17/12/2008

“RESPONSABILIDADE CIVIL. CONDOMÍNIO. FURTO DE BRINQUEDO NA GARAGEM CONDOMINIAL. (...) O que determina a responsabilidade do Condomínio ou Associação de Moradores de Loteamento Fechado pelo furto é a obrigação que assume de vigilância e segurança, provando-se nesse caso a falha no serviço. No caso, não estão presentes estas duas condições para responsabilizar o réu. Portanto, não há fundamento legal ou convencional para o acolhimento do pedido dos autores, de modo que a sentença, que julgou improcedente o pedido, deve ser mantida por seus próprios fundamentos. Sentença de improcedência do pedido mantida. Recurso não provido.” (TJ-SP - APL: 02177683420098260100 SP 0217768- 34.2009.8.26.0100, Relator: Carlos Alberto Garbi, Data de Julgamento: 20/05/2014, 10ª Câmara de Direito Privado
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EMENTA: INDENIZAÇÃO. CONDOMÍNIO. FURTO OCORRIDO EM GARAGEM DE EDIFÍCIO. O condomínio é responsável pela indenização de motocicleta furtada em sua garagem, se demonstrada sua culpa in vigilando. Apelo conhecido, mas improvido". (TJGO, 1ª. Câmara Cível, Relator Des. Castro Filho, Apelação Cível nº 40154-0/188, DJ 12426 de 04/11/1996)
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Por fim, é importante que o síndico e condôminos, em Assembleia, definam qual é o melhor caminho e intenção de todos. Indenizar ou não o prejuízo, passa pela necessidade de inserir a previsão em Convenção, observando o quórum legal para aprovação/alteração.  Importante também observar se o condomínio assume algum dever de vigilância sobre os bens dos condôminos ou, ainda, se no caso concreto há culpa do condomínio pelo fato danoso, o que pode ensejar o direito de indenizar independentemente de previsão em Convenção.


Sobre o autor:

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Canal Adv. Wanderson de Oliveira


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Dr.Wanderson de Oliveira

Advogado - OABGO 27.715

Sócio fundador do escritório Advocacia W. de Oliveira

Consultor e Advogado Especializado em Direito Condominial, Inventário/partilhas e Direito do Trabalho

Árbitro na Corte de Conciliação e Arbitragem de Aparecida de Goiânia

Conselheiro no Colegiado de Recurso Tributário de Aparecida de Goiânia – GO (2017/2019)

Professor nas Faculdades FanPadrão (Legislação Empresarial, Processo do Trabalho, Tributária)

Diretor do Integra Síndicos

Conselheiro da OAB GO (2015)

Presidente de Comissão da OAB GO (2013/2015)

Professor no Projeto OAB vai à Escola (2010/2015)

Integrante da Comissão de Acompanhamento Forense da OAB GO (2013/2015)

Integrante da Comissão de Direito do Trabalho da OAB GO (2010/2012)

Advogado da Brasil Telecom S/A - Oi S/A (2008/2012)

Relações Trabalhistas (ETE Engenharia de Telecomunicações S/A – 2002/2004)

Graduado em Direito pela FASAM

Graduado em Análise de Sistemas pela Universo - Goiás

Pós graduado em Direito Público (Uniasselvi -  Universidade Leonardo Da Vinci)

Pós graduado em Direito Civil e Processo Civil (UNAR – Centro Universitário de Araras)

Pós graduado em Direito Tributário (IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários)

e- mail: wo@wdeoliveira.adv.br ou woadv.go@gmail.com

Blog: https://drwandersondeoliveira.blogspot.com/

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quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Usufruto para deixar imóvel "no nome do filho": Aspectos registrais, tributários, sucessórios e dever de colação

 Introdução


Usando linguagem popular, é comum pais "colocarem" imóveis no nome do filho, mas manterem, para si, de forma vitalícia, o direito de usar ou alugar o imóvel. Trata-se de prática comum, que inevitavelmente frequenta os cartórios de notas e os de imóveis.


Juridicamente, há dois caminhos mais comuns para esse tipo de operação: um é o usufruto deducto e o outro é a compra e venda bipartida (com doação de dinheiro).


Trataremos dessas figuras com olhos nos aspectos registrais, tributários e sucessórios.


Para tanto, começaremos explicando o direito real de usufruto. Em seguida, passaremos a tratar das figuras do usufruto deducto e da compra e venda bipartida. Por fim, enfrentaremos a aplicação dessas figuras como forma de os pais "colocarem" imóveis no nome do filho.


Direito real de usufruto


Regulado pelos arts. 1.390 ao 1.411 do CC, o usufruto é um direito real outorgado pelo proprietário - que se torna nu proprietário - ao usufrutuário a fim de que este possa exercer as faculdades de usar e fruir da coisa.


As partes envolvidas são: (1) nu-proprietário: o titular do direito real de propriedade onerado pelo usufruto; e (2) usufrutuário: o titular do direito real de usufruto.


O direito real propriedade onerada pelo usufruto é chamado também de "nua-propriedade" por uma metáfora: como o titular do imóvel onerado não pode usar ou fruir, mas apenas dispor, a sua propriedade está metaforicamente desnuda.


O usufruto pode incidir sobre móvel, imóvel ou patrimônio e estende-se aos acessórios (pertenças, benfeitorias, frutos e etc.) e aos seus acrescidos (arts. 1.390 e 1.392, CC). Esses acrescidos são as acessões, como um edifício construído no imóvel objeto do usufruto.


Em regra, a constituição do usufruto ocorre com: (1) o registro do título na matrícula do imóvel no Cartório, no caso de imóvel (art. 1.391, CC); (2) a tradição, no caso de móvel (art. 1.226, CC); e (3) o transcurso do tempo no caso de usucapião, que pode envolver móvel ou imóvel.


O usufruto é inalienável, embora o seu exercício não o seja (art. 1.393, CC). O motivo é que o usufruto é instituído em favor de uma determinada pessoa, levando em conta suas particularidades, donde dizer-se que ele é instituído intuitu personae. Um exemplo disso é que, ao instituir um usufruto vitalício para um idoso de 100 anos, o instituidor tem a expectativa de que o usufruto virá a se extinguir de modo mais breve do que se tivesse instituído em prol de um jovem de 12 anos, tendo em vista a diferença da expectativa de vida restante de cada um. Não pode o idoso ceder o usufruto para um jovem, frustrando a expectativa do instituidor.


Assim, se instituo o usufruto em favor de João sobre um apartamento, ele sempre será o usufrutuário e, portanto, no caso de sua morte, o usufruto se extinguirá (art. 1.410, I, CC). Não poderá João alienar o usufruto para uma criança recém-nascida a fim de evitar essa extinção com a sua morte, pois o usufruto não pode ser alienado. Isso, porém, não impede que João ceda o exercício do usufruto para outrem, que iria poder morar ou alugar o apartamento.


Daí decorre que credores de usufrutuários não podem pedir a penhora do usufruto diante de sua inalienabilidade, mas podem pleitear a penhora do "exercício" do usufruto, de sorte que a constrição recairá sobre o direito à percepção dos frutos e privará o usufrutuário de fruí-los provisoriamente.


Usufruto Deducto


O usufruto deducto ou reservado se dá quando alguém aliena a propriedade a outrem, mas reserva o usufruto para si. No popular, isso ocorre quando, por exemplo, os pais querem colocar o apartamento no nome do filho, mas pretendem garantir, para si próprio, o direito de continuar morando e fruindo do imóvel. Nesse caso, o pai pode doar o apartamento com reserva de usufruto, de modo que ele ficará com o direito real de usufruto, e o filho, com a nua propriedade.


O CC reconhece essa prática expressamente (art. 1.400, parágrafo único).


Apesar de o art. 1.400, parágrafo único, do CC mencionar o usufruto deducto em sede de doação, ele não proíbe que a prática seja feita com base em outro tipo de contrato, como uma compra e venda. Assim, temos por plenamente viável uma venda da nua propriedade com reserva do usufruto.


O usufruto deducto pode ser instituído, inclusive, em testamento, quando o testador lega a propriedade da coisa a uma pessoa e reserva o usufruto para os herdeiros ou para um terceiro.


Quais os atos devem ser lançados na matrícula do imóvel no caso de um usufruto deducto?


Segundo doutrina e jurisprudência majoritárias, devem ser feitos dois registros na matrícula: um para a alienação da propriedade e outro para a constituição do usufruto1.


Há uma cautela importante a ser levada em conta na redação do título a ser registrado no Cartório. É preciso que do título conste expressamente a reserva do usufruto; não basta a mera menção à alienação da nua-propriedade, à vista da necessidade de uma instituição de usufruto. O usufruto não pode ser constituído pelo proprietário da coisa em prol de si mesmo, pois é direito sobre coisa alheia. O usufruto só pode ser constituído pelo proprietário em prol de outrem. Isso decorre do art. 1.391 do CC, que vincula a constituição do usufruto ao seu registro no CRI2.


Compra e venda bipartida com doação de numerário


Prática comum é a "compra e venda bipartida", assim entendida uma venda da nua-propriedade em favor de uma pessoa concomitantemente à instituição onerosa do usufruto em prol de outra pessoa.


De fato, o proprietário de um bem pode instituir o usufruto a uma pessoa e, em seguida, vender a nua propriedade para outra. Tem de ser observada essa ordem na redação da escritura (se os negócios forem formalizados na mesma escritura) e no lançamento dos atos de registro na matrícula perante o competente Cartório de Imóveis. É que, se o proprietário, em primeiro lugar, vender a nua propriedade e reservar para si o usufruto, não haverá como ele posteriormente transferir o usufruto a terceiros em razão da sua inalienabilidade (art. 1.393, CC).


Haverá dois fatos geradores de ITBI aí: um pela transmissão onerosa da nua propriedade e outro pela instituição (=transmissão) onerosa do usufruto (o usufruto é um bem imóvel por determinação legal, conforme art. 80, I, CC).


A base de cálculo é diferente para cada um dos fatos geradores. As leis municipais costumam indicar o valor dessa base de cálculo. Por exemplo, no Distrito Federal, a base de cálculo do ITBI incidente sobre a aquisição onerosa da nua propriedade toma o valor de 30% do valor venal do imóvel, deixando os outros 70% para a instituição do usufruto3.


Compra e venda bipartida com doação modal de dinheiro e com cláusula de inalienabilidade: aspectos registrais


É comum os pais, ficando com o usufruto, comprarem imóveis no nome do filho como uma "forma de doação" destinada a garantir o conforto material do filho no caso de falecimento dos pais. Nesses casos, é comum também os pais quererem tornar o direito dos filhos inalienáveis para que, ao menos, o filho sempre tenha um imóvel onde viver.


Esses arranjos negociais podem ser chamados de "compra e venda bipartida com doação de numerário (dinheiro) e com cláusula de inalienabilidade". Cuida-se, em geral, de compra e venda de imóvel em favor de filho menor, com dinheiro de seu pai, cumulada com instituição de usufruto vitalício em prol do pai e com imposição de cláusula de inalienabilidade sobre o imóvel.


Há vários modos de representar a operação. A mais adequada é entender que há os seguintes negócios jurídicos: (1) instituição onerosa de usufruto vitalício em favor dos pais com direito de acrescer; (2) doação de dinheiro dos pais em prol do filho com o encargo de comprar a nua propriedade e com cláusula de inalienabilidade - doação modal -; (3) compra e venda da nua propriedade pelos filhos com cláusula de inalienabilidade que recaía sobre o dinheiro e que, por sub-rogação real, passa para o imóvel.


Daí decorre que, na matrícula do imóvel no Cartório, seriam praticados os seguintes atos: (1) registro da instituição onerosa do usufruto para os pais com direito de acrescer; (2) registro da compra e venda da nua propriedade; (3) averbação da cláusula de inalienabilidade.


Não importa se o filho é menor de idade. Não haverá necessidade de alvará judicial para esses negócios. E há diferentes formas de justificar isso.


A primeira forma é que, em termos práticos, temos um efeito similar a uma doação pura da nua propriedade em favor do filho, a qual pode ser recebida pelo absolutamente incapaz mesmo sem sua aceitação (art. 543, CC). A própria cláusula de inalienabilidade não passa de uma proteção ao próprio incapaz. Ademais, os pais estão a representar o filho incapaz nesses negócios, o que deve ser tido por suficiente para a prática dos atos. O Conselho Superior da Magistratura já decidiu assim (CSM-TJSP, Apelação cível 78.532-0/3, Rel. Corregedor-Geral de Justiça Luís de Macedo, j. 30/08/20014).


A segunda forma de justificar a dispensa de alvará judicial é enxergando o fenômeno acima de maneira diversa, mas chegando ao mesmo resultado final. Basta pensar que, na verdade, teria havido uma doação do dinheiro para o filho com o encargo de que este deveria adquirir o imóvel e, ato contínuo, instituir o usufruto ao pai, como enxerga Gilberto Valente (2007).


Uma terceira forma é cogitar na aquisição do imóvel pelo pai que, ato contínuo, doa-o, com reserva de usufruto e com a cláusula de inalienabilidade. O resultado prático, porém, é o mesmo.


Por fim, indaga-se: como ficam os tributos?


Será devido ITCD pela doação do dinheiro, além de: (1) ITBI sobre a instituição onerosa do usufruto e (2) ITBI sobre a venda da nua propriedade. Lembre-se que o somatório das bases de cálculos desses dois ITBIs corresponderá ao valor total do imóvel.


Usufruto para deixar imóvel "no nome do filho": aspectos tributários, sucessórios e dever de colação


É comum os pais ficarem com o usufruto para colocarem uma casa no nome do filho.


Isso pode ocorrer por meio de uma doação com reserva de usufruto ("o usufruto deducto") ou de uma compra e venda bipartida com doação de numerário.


No mais das vezes, o objetivo é antecipar e proteger a herança.


Há as seguintes vantagens nesse tipo de postura:


(1) a operação é uma espécie de antecipação de herança em que o bem doado é, no caso de compra e venda bipartida, apenas o valor do dinheiro utilizado na compra da nua propriedade ou, no caso de doação com reserva de usufruto, apenas a nua propriedade;


(2) futuros credores do pai não poderão penhorar a nua propriedade, mas apenas o exercício do usufruto, o que protegerá a herança do filho no caso de naufrágio financeiro posterior do pai;


(3) a consolidação da propriedade pelo filho no caso de morte do pai não dependerá de inventário e partilha, pois a morte do pai é hipótese de extinção do usufruto: basta o filho apresentar a certidão de óbito ao Cartório de Imóveis e pedir a averbação do cancelamento da nua propriedade.


Do ponto de vista tributário, no momento da operação, será devido ITCD com base de cálculo correspondente ao valor da nua propriedade. No futuro, com a morte dos pais - a causar a extinção do usufruto -, será devido ITCD com base de cálculo correspondente ao valor do usufruto5.


Como doação a filho é considerada uma antecipação de herança, a liberalidade ora tratada terá de ser colacionada na forma dos arts. 544 e 2.002 ao 2.012 do CC. Nesse caso, indaga-se: o que deve ser colacionado no caso de doação, a um filho, de um imóvel com reserva de usufruto?


Temos duas hipóteses a analisar: uma envolvendo usufruto deducto e outra, a compra e venda bipartida.


De um lado, no caso de o pai ter feito doação com reserva de usufruto (usufruto deducto), o objeto a ser colacionado é apenas a nua propriedade, e não a propriedade plena.


Afinal de contas, o filho não tem a propriedade plena do bem. Ele não pode alugar a coisa, usá-la ou explorá-la economicamente, pois é nu proprietário. Só quando, no futuro, ocorrer a consolidação da propriedade é que o filho passará a ter a propriedade plena. A consolidação da propriedade ocorrerá com a extinção do usufruto, extinção essa que, entre outras causas, ocorre com a morte do usufrutuário.


A título ilustrativo, repare que os filhos podem ter alienado a nua propriedade a terceiros, caso em que a consolidação da propriedade irá beneficiar o terceiro que adquiriu a nua propriedade. Seria, pois, uma atecnia jurídica dizer que a colação deveria recair sobre o valor do imóvel inteiro. Só o valor da nua propriedade é que deve ser colacionado.


De outro lado, no caso de o pai ter feito uma compra e venda bipartida com doação de numerário, o resultado é próximo (mas não idêntico): o objeto a ser colacionado deve ser o dinheiro doado para a aquisição da nua propriedade, dinheiro esse que corresponde ao valor da nua propriedade no momento da operação. Entendemos que a liberalidade aí não é a nua propriedade, e sim o dinheiro doado.


Conclusão


O direito real de usufruto é a via legalmente mais adequada para acomodar a pretensão de pais que pretendem colocar um "imóvel" no nome dos filhos sem perder o direito de vitaliciamente usufruir do bem.


Esmiuçamos aqui os aspectos civis, registrais e tributários nesses casos, com inclusão da definição de qual bem o filho donatário deverá colacionar em futura sucessão causa mortis dos pais.


__________


1 "EMENTA: Registro de Imóveis - Venda da nua-propriedade - Necessidade de Registro do Usufruto - Recurso não provido." (TJ/SP, Conselho Superior de Magistratura, Ap. Cível nº 23.526-0/9).


2 "Ementa Oficial: O usufruto sempre depende, por sua instituição, do registro, ainda que se tratando de simples reserva. Interpretação do art. 1.391 do novo CC. O imóvel deve ser tido como gravado por uma limitação, um ônus correspondente ao usufruto, uma servidão pessoal, e, para ser constituído e produzir toda sua eficácia, precisa ser inscrito" (Ap. Civ. 99.458-0/9, j. 27.02.2003. DOE SP 14.05.2003).


3 A propósito, confira-se o art. 5º, § 2º, da lei DF 3.830, de 14 de março de 2006:


"Art. 5º A base de cálculo do Imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos ou cedidos.


§ 1º Não são dedutíveis do valor venal, para fins de cálculo do Imposto, eventuais dívidas que onerem o imóvel transmitido.


§ 2º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, para os efeitos deste artigo:


I - o valor venal dos direitos reais corresponde a 70% (setenta por cento) do valor venal do imóvel;


II - o valor da propriedade nua corresponde a 30% (trinta por cento) do valor venal do imóvel."


4 Disponível aqui.


5 No Distrito Federal, estima-se a nua propriedade em 30% do valor do imóvel e o usufruto em 70% do valor do imóvel.


Atualizado em: 2/6/2021 08:49


Pedimos a gentileza de observar que este conteúdo pode, sim, ser compartilhado na íntegra. Todavia, deve ser citado o link: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/346486/usufruto-para-deixar-imovel-no-nome-do-filho