Interessante
como muitos condôminos que defendem ser correto dividir despesas de
conservação e manutenção pela fração ideal nos edifícios residenciais
compostos de apartamentos tipo e cobertura ou de prédios de salas e com
lojas no térreo, utilizam como principal argumento que a “lei prevê”
e ignoram que, essa mesma lei, dá aos condôminos, a possibilidade de
estabelecerem outro critério. Contudo, essa revisão depende de senso de
justiça e honestidade. Isso porque, simples cálculos matemáticos
demonstram que cobrar a mais de quem gasta igual aos demais fere a
lógica, o que torna o rateio de despesa pela fração ideal, injusto e
abusivo. Em qualquer negócio todos concordam que o honesto é pagar
exatamente pelo que se consome, e no caso de um edifício, pelo que está à
disposição nas áreas comuns Basta verificarmos as perícias judiciais, nas quais os engenheiros e experts
analisam esses condomínios e confirmam que os custos do rateio das
despesas decorrem do uso e conservação das áreas comuns (porteiros,
faxina, escadas, energia elétrica, elevadores, áreas de lazer) que são
utilizadas igualmente por todas as unidades, mesmo que de tamanhos
diferentes nos edifícios residenciais. Essa realidade está clara na
decisão do Recurso Especial nº 541.317 do Superior Tribunal de Justiça,
que confirmou ser correto o rateio igualitário numa ação que o
condomínio pleiteava que a cobertura pagasse o dobro.
MATEMÁTICA E A LÓGICA COMPROVAM OS ABUSOS
Como as perícias que se baseiam em fatos concretos, vemos injustiças
cometidas contra lojas localizadas no térreo que pagam por despesas que
só beneficiam as salas ou os apartamentos que compõem edifício que
utiliza de elevadores e porteiros. Ao cobrar de uma loja valor que a
mesma não gera ou de uma cobertura 50 a 150% a mais (conforme a fração
ideal) por serviços que estão à disposição de todos igualmente, esse
valor abusivo configura enriquecimento sem causa que beneficia as
unidades menores. A fração ideal utilizada para dividir o rateio nesses
casos fere cinco artigos do Código Civil, eem especial, o artigo 884.
Ninguém de boa-fé pode defender a ideia de que uma pessoa deve pagar a
mais por um serviço que não utiliza em maior proporção que seus
vizinhos. O critério estabelecido pela 4.591/64, no seu art. 12, se
destina a custear o que é gasto na construção de edifícios negociados na
planta, que de tanto ser colocado nas convenções copiadas sem qualquer
reflexão, que trataram a “taxa” de condomínio como se fosse um imposto,
acabou sendo reproduzido no inciso I, do artigo 1.336 do Código Civil.
Todavia, ao reproduzir essa redação que gera confusão, foi reiterado que
a utilização da fração ideal não é absoluta, estando sujeita às
particularidades do caso concreto e aos princípios constitucionais da
isonomia, razoabilidade e proporcionalidade, pois estipula: “salvo disposição em contrário”.
Um dos princípios que busca sustentar um rateio igualitário, é justamente o que se
extrai do artigo 884 do CC, que trata do enriquecimento sem causa. A
ele, se soma o artigo 422 do CC, que trata da Boa-fé. A fração ideal só é
viável quando as unidades são de tamanhos iguais, como se verifica na
maioria dos edifícios e por esse motivo é amplamente utilizada sem
causar qualquer problema. O inciso I, do art. 1.336 do CC não revogou a
matemática, o bom senso, a razoabilidade e nem a honestidade. Portanto,
não se sobrepõe à boa-fé (art. 422), não autoriza o enriquecimento sem
causa (art. 884) e nem permite a lesão (art. 157) em razão do
desconhecimento técnico da função da fração ideal nas construções em
condomínio.
LEI X JUSTIÇA – Necessidade de refletir para entender
Muitas vezes o que está previsto em lei, é injusto. A discriminação racial era legal,
prevista em leis, até relativamente pouco tempo em diversos países,
felizmente tais leis foram extintas. As mulheres, no mundo todo sofreram
muito até terem seus direitos reconhecidos para poder votar, estudar,
receber herança ou trabalhar. Há países em que são proibidas de sair
sozinhas; podem ser surradas a vara caso exponham um calcanhar que seja.
Na Arábia Saudita, somente a partir de 2015 as mulheres passaram a
poder votar, tendo obtido o direito de dirigir automóveis apenas após
24/06/18.
Nesses países, essas restrições são legais,
mas as pessoas sensatas consideram uma barbaridade totalmente injusta e
errada. Esses exemplos deveriam ser expostos nas assembleias de
condomínio nas quais vários condôminos insistem em cobrar a mais da
cobertura ou do apartamento térreo, sem conseguir explicar o porquê, com
base na Lei 4.591 de 1964. Seria interessante refletirem que até 1962,
as mulheres eram proibidas de exercer profissão fora de casa, pois com
base no art. 242, VII, do Código Civil/1916, só podiam trabalhar fora
com a expressa autorização do marido.
CONSTRUTORAS EVOLUÍRAM, NÃO ESTIPULAM A FRAÇÃO IDEAL
O que vemos desde 1964 são inúmeros condomínios
confundindo quota de condomínio com imposto (IPTU e ITBI), pois este que
é cobrado com base no valor de venda do imóvel, sendo que o rateio das
áreas comuns com limpeza, porteiros e o dia a dia não tem qualquer
relação com o valor da cobertura em relação aos demais apartamentos.
Devido a isso, a cada dia constata-se as construtoras deixando de
utilizar a fração ideal para dividir o rateio nos edifícios com
coberturas, apartamentos e lojas no térreo, pois passaram a dominar o
assunto ao estabelecer o rateio igualitário, tese essa que defendo há 26
anos nos processos judiciais em que atuamos em favor do que entendemos
ser o justo.
A lei não proíbe a cobrança com base na fração ideal,
mas nos casos citados, esse critério se mostra imoral, e justamente por
isso, quem o defende rejeita a realização de perícia, pois a matemática e
a lógica provam a injustiça. Não é necessário ser um jurista ou
matemático para se ter bom senso. Mas, os vizinhos dos apartamentos
tipo, sendo maioria, no afã de manter sua taxa de condomínio menor, para
continuar a punir quem adquiriu uma unidade maior, simplesmente
colocaram a “culpa na Lei”, como se fosse criada para levar vantagem ou criar cobranças sem lógica. Lamentavelmente muitos não entendem que, o direito pode estar na lei, contra a lei e além da lei.
Belo Horizonte, de 26 de abril de 2021.
Esse artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
kenio@keniopereiraadvogados.com.br (31) 2516-7008
Fonte: http://www.keniopereiraadvogados.com.br/Ver-Mais-2424
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