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sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Morador antissocial

MULTAS NÃO DEVEM SER ÚNICA SANÇÃO CONTRA CONDÔMINO ANTISSOCIAL CONTUMAZ


Todas as pessoas que residem, ou já residiram, em um condomínio edilício já enfrentaram, ou conhece alguém que tenha enfrentado, a péssima situação de ter um vizinho que se comporta de maneira insuportável.

Não se trata de um condômino mal educado que não cumprimenta seus vizinhos ou que fala alto. Aqui a situação transcende o comportamento retrógrado da falta de educação. A pessoa a que este artigo se refere é aquele vizinho que ultrapassa todos os limites do aceitável, tornando quase impossível a convivência. Traçar essa diferença é fundamental para o entendimento do que aqui é abordado.

O Código Civil chama esse tipo de vizinho de “condômino antissocial”. O condomínio edilício é composto, nas palavras de Carlos Maximiliano[1], da“superposição de propriedades distintas, conjugada com uma indivisão forçada e perene: direito exclusivo sobre o andar [ou unidade autônoma] e copropriedade sobre as coisas comuns, em regime de indivisibilidade perpétua”.

Assim, nota-se que todos são ao mesmo tempo proprietários exclusivos de seus apartamentos, mas coproprietários das áreas comuns do edifício, devendo seguir regras de convívio indispensáveis para a manutenção da coesão orgânica desse conjunto econômico-jurídico que é o condomínio.

A lei civil, objetivando traçar normas gerais, previu direitos e deveres dos condôminos em seus artigos 1.335 e 1.336, adiante citados.

“Art. 1.335. São direitos do condômino:
I – usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;
II – usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;
III – votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite.
Art. 1.336. São deveres do condômino:
I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)
II – não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III – não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
  • 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.
  • 2º O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa”.

Percebe-se que a relação de direitos e deveres dos condôminos está traçada em linhas gerais, devendo as normas específicas de cada condomínio serem traçadas na convenção de condomínio registrada, podendo ser alteradas, excluídas ou criadas novas regras por meio das assembleias. Contudo, devem manter respeito às normas legais e principiológicas do ordenamento pátrio.

O que se espera de todos os condôminos é que de fato todas as regras criadas sejam fielmente cumpridas por todos. Acontece que essa expectativa, na grande maioria das vezes, é totalmente frustrada. Sempre haverá o descumpridor das regras, seja de que natureza a regra for.

Para todas as situações de descumprimento das regras condominiais previstas na convenção, bem como nas normas gerais do direito, existem os mecanismos de sanção. O Código Civil aborda alguns deles no próprio artigo 1.336, mas também sugere punição aos contumazes descumpridores no artigo 1.337, senão vejamos:

“Art. 1.337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia”.

Perceptível está a preocupação do legislador em forçar o condômino a cumprir com suas obrigações de forma plena ao impor multas pecuniárias cuja base de cálculo é a contribuição mensal paga a título de taxa de condomínio.

Ressalta-se que essa multa, por ser de natureza legal, independe de previsão na convenção de condomínio e somente pode ser aplicada em casos de descumprimento reiterado, não podendo jamais ser aplicada em descumprimentos pontuais e esporádicos.

É possível concluir que as sanções impostas pela lei, que são de cunho exclusivamente pecuniário, podem ser facilmente suportadas por aqueles condôminos que possuam um alto padrão econômico-financeiro.

Enquanto o descumprimento reiterado permanecer de natureza financeira – que poderá, sem sombra de dúvidas, causar diversos prejuízos aos demais condôminos uma vez que será capaz de ocasionar um desequilíbrio das contas do condomínio em decorrência da habitualidade do comportamento lesivo –, maiores problemas para obter o ressarcimento não necessariamente serão enfrentados uma vez que os créditos condominiais são garantidos pela própria unidade autônoma.

Ocorre que o problema se torna muito claro quando a situação recai sobre o comportamento antissocial reiterado do condômino. Mais uma vez, não se confunde o comportamento social com a ausência do bom trato e cortesia do condômino. Nos dizeres do ministro Luiz Edson Fachin[2], o comportamento antissocial está presente naquelas situações em que “a estabilidade das relações entre condôminos é gravemente ameaçada, inviabilizando a convivência social”.

Para esses casos a lei prevê uma multa mais substancial em relação a esses condôminos, expressa no parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil, que pode chegar ao décuplo do valor pago a título de taxa condominial.

Contudo, encontra idêntico impasse da situação anterior. Surge novamente a indagação acerca do condômino abastado que possa suportar o peso da imposição da multa e assim permaneça praticando as condutas antissociais. Aparentemente uma situação que não teria solução.

Apesar de a Lei Civil não deixar claro se a medida para coibir o comportamento se esgota na multa, aparentemente não terminam aí as possibilidades de resolver a questão.

Os condôminos, o condomínio ou o possuidor prejudicado, em que pese a aplicação da multa, poderão propor ação indenizatória ou de obrigação de fazer ou não fazer, com pedidos de tutela específica, conforme prevê o Código de Processo Civil em seus artigos 139, IV, 497 a 500, 536, parágrafo 1º, e 537.

Entre essas possibilidades previstas nos dispositivos retromencionados, consta que “o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial” (artigo 536, parágrafo 1º).

Nota-se que entre as medidas encontra-se a expulsão do condômino com comportamento antissocial reiterado do prédio. Contudo, ressalta-se que, caso haja tal medida, o condômino perderá a posse direta do bem, mas permanecerá com a posse indireta, podendo exercer seu poder de fruição, transferindo o exercício da posse direta a terceiros.

Assim, uma questão salta aos olhos. Seria possível a alienação forçada da unidade autônoma e exclusão definitiva do condômino antissocial que permanece com sua conduta nociva, lesiva e abusiva, mesmo com a aplicação das medidas anteriormente mencionadas?

A legislação não tratou dessa possibilidade. Entretanto, quedando silente a lei, não surtindo efeito as medidas previamente adotadas – o que raramente acontecerá, mas é uma possibilidade -, é bastante razoável dizer que é totalmente possível a alienação forçada da unidade autônoma. Isso porque, atualmente, a função social da propriedade deixou de ser um limite ao exercício do direito e passou a ser seu conteúdo.

Dessa forma, conforme o magistério de Jorge Elias Nehme[3] – entre tantos outros doutrinadores -, “não teria sentido, portanto, tutelar o direito de propriedade exercido com abuso e que fere a função social, com natureza de ato ilícito (artigo 187 do Código Civil), mantendo situação que compromete a vida social no condomínio”.

Ademais, corroborando para esse entendimento, o Centro de Estudos Judiciários do Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado de 508 em sua V Jornada de Direito Civil que diz:

“Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (artigos 5º, XXIII, da Constituição, e 1.228, parágrafo 1º, do Código Civil) e a vedação ao abuso do direito (artigos 187 e 1.228, parágrafo 2º, ambos do Código Civil) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal.

Apura-se, portanto, que o condomínio é um organismo que depende do fiel cumprimento de normas – convencionais e legais – para que consiga se sustentar de maneira saudável.

Havendo o descumprimento das normas, sanções serão aplicadas, sendo mais incisivas e contundentes em casos de reiteração do comportamento, principalmente no tocante à conduta antissocial que venha a porem risco a viabilidade da convivência social.

De uma certa forma, os encrenqueiros que possuem condições econômico-financeiras muito altas não eram atingidos pelas sanções pecuniárias previstas em lei de forma a conseguir inibir a repetição do comportamento antissocial, ficando aparentemente imunes às punições.

Todavia, como visto, essa não é a realidade. Diversos são os mecanismos inibidores da conduta nociva do condômino antissocial contumaz, entre as quais estão o ajuizamento de ação para impossibilitá-lo de exercer a posse direta do seu bem ou até mesmo pleitear, a depender do caso, a alienação forçada da unidade autônoma com a consequente exclusão definitiva dele do condomínio.
____________________________
[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 12. ed. São Paulo: Forense, 2016. 504 p.)
[2] FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. 261 p. v. XV.
[3] PELUSO, Cezar et al. (Org.). Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência. 11ª. ed. São Paulo: Manole, 2017. 1291 p.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2017-jun-11/eduardo-moraes-multa-nao-unica-sancao-condomino-antissocial

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