O condomínio não pode ignorar os meios expressamente previstos em
lei para cobrança de dívida condominial. A jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) considera que o Código Civil (CC) é taxativo
quando estabelece sanções pecuniárias para o caso de inadimplemento de
despesas condominiais.
De acordo com o ministro Marco Aurélio
Bellizze, o Código de Processo Civil (CPC) de 1973 já estabelecia o rito
mais célere, o sumário, para a respectiva ação de cobrança, justamente
levando em consideração a necessidade de urgência para satisfação do
crédito relativo às despesas condominiais.
Na sistemática do novo código, explicou o ministro, as cotas condominiais passaram a ter natureza de título extrajudicial (
artigo 784, inciso VIII), de forma a viabilizar o manejo de ação executiva, tornando a satisfação do débito ainda mais rápida.
E
uma das garantias para a satisfação do débito é a constrição judicial
da própria unidade condominial, “não sendo dado ao condômino devedor
deduzir, como matéria de defesa, a impenhorabilidade do bem como sendo
de família”, observou Bellizze. Isso é previsto na
Lei 8.009/90 e pacificado no âmbito do STJ.
Instrumentos
Outra
hipótese prevista no CC é a possibilidade de o condomínio, por meio da
aprovação de três quartos dos moradores, impor outras penalidades
pecuniárias, como multas, de forma proporcional à gravidade e à
repetição da conduta.
Para Bellizze, “diante de todos esses
instrumentos (de coercibilidade, de garantia e de cobrança) postos pelo
ordenamento jurídico, inexiste razão legítima para que o condomínio dele
se aparte”.
Mesmo assim, não é incomum chegarem ao Poder
Judiciário, e especificamente ao STJ, queixas de condôminos que foram
penalizados de forma diversa, com sanções que constrangem e até mesmo
atingem sua honra e a imagem.
Área comum
A
proibição de acesso e de utilização de qualquer área comum pelo
condômino e seus familiares – seja de uso essencial, social ou de lazer,
com o único e ilegítimo propósito de expor ostensivamente a condição de
devedores perante o meio social em que residem – foge dos ditames do
princípio da dignidade humana.
Esse posicionamento foi adotado
pela Terceira Turma, em agosto deste ano, ao julgar recurso especial de
condomínio residencial que teria impedido moradora e familiares de
frequentar o clube do condomínio, com base em previsão regimental (
REsp 1.564.030).
Para
os ministros, o direito do condômino ao uso das partes comuns não
decorre da situação de adimplência das cotas condominiais, mas, sim, do
fato de que, por lei, a unidade imobiliária abrange a correspondente
fração ideal de todas as partes comuns.
Por essa razão, “a sanção
que obsta o condômino em mora de ter acesso a uma área comum (seja qual
for a sua destinação), por si só, desnatura o próprio instituto do
condomínio, limitando, indevidamente, o correlato direito de
propriedade”, defendeu o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze.
A turma, em decisão unânime, negou provimento ao recurso do condomínio, em conformidade com as instâncias ordinárias.
Serviços essenciais
A
falta de pagamento de taxas condominiais não autoriza a suspensão, por
determinação da assembleia geral de condôminos, do uso de serviços
essenciais. Para a Terceira Turma, a substituição de meios expressamente
previstos em lei pela restrição ao condômino inadimplente quanto à
utilização dos elevadores afronta o direito de propriedade e sua função
social, além da dignidade da pessoa humana (
REsp 1.401.815).
No
recurso especial julgado pela turma, a proprietária de um apartamento
do Edifício Chopin, localizado em Vitória (ES), foi surpreendida com a
desprogramação dos elevadores que davam acesso ao andar de sua
residência após deixar de pagar duas taxas condominiais, que à época do
ajuizamento da ação custavam quase R$ 3 mil.
Na ação de
indenização por danos morais, ela afirmou que, ao passar por
dificuldades financeiras, foi submetida a situação vexatória, que lhe
causou abalos morais. O juízo de primeiro grau considerou que a medida
não foi ilícita, já que aprovada em assembleia, com expressa
concordância da autora. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça
do Espírito Santo.
Autonomia limitada
No
STJ, a proprietária sustentou que o sistema legal prevê sanções
específicas para o inadimplemento das cotas condominiais, quais sejam,
juros e multa.
“Não sendo o elevador um mero conforto, em se
tratando de edifício de diversos pavimentos, com apenas um apartamento
por andar, localizando-se o apartamento da recorrente no oitavo
pavimento, o equipamento passa a ter status de essencial à própria
utilização da propriedade exclusiva”, esclareceu a ministra Nancy
Andrighi, relatora.
Segundo ela, embora a convenção de
condomínio, o regimento interno e as demais normas instituídas pela
assembleia geral sejam manifestação da autonomia da vontade e tenham
força de lei nas dependências do condomínio, assim como nas demais
relações jurídicas de direito civil, essa autonomia privada não é
irrestrita, “sendo limitada por outras normas públicas cogentes”,
defendeu.
Execução forçada
Dessa forma,
disse Andrighi, a autonomia privada no estabelecimento das sanções deve
ser exercida “nos limites do direito fundamental à moradia, do direito
de propriedade e sua função social e outros, todos enfeixados no
princípio-mor da dignidade da pessoa humana”.
Para solução do
inadimplemento, a ministra considerou a execução forçada, sendo
facultado ao credor ingressar na esfera patrimonial do devedor para
obter a quantia em atraso e as penalidades previstas em lei.
Andrighi
mencionou ainda a possibilidade de a execução da dívida recair sobre a
unidade condominial que gerou a obrigação: “É firme o entendimento do
STJ no sentido de que o imóvel, conquanto se trate de bem de família,
sujeita-se à penhora em execução de dívida decorrente do inadimplemento
de cotas condominiais.”
Multas e juros
O
artigo 1.336,
parágrafo 1º, do CC prevê que o condômino em dívida com despesas
condominiais fica sujeito aos juros moratórios convencionados ou, caso
não previstos, aos de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito.
Já
o condômino que deixa de pagar reiteradamente o valor correspondente à
manutenção do condomínio – considerado condômino nocivo ou condômino
antissocial – poderá ser obrigado a pagar multa de até o décuplo do
valor da contribuição mensal para as despesas condominiais, conforme a
gravidade e a reiteração, desde que haja aprovação de três quartos dos
condôminos em assembleia.
Contudo, a aplicação da sanção prevista no
artigo 1.337,
caput
e parágrafo único, do CC, conforme ressalta o ministro Luis Felipe
Salomão, exige que o condômino “seja devedor reiterado e contumaz, não
bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos”.
Salomão
explica que “a intenção legislativa foi a de coibir eventuais abusos e
excessos eventualmente praticados por alguns condomínios, cujo
permissivo legal somente deverá ser utilizado quando a conduta do
comunheiro revelar efetiva gravidade”.
Devedor contumaz
Em
outubro de 2015, a Quarta Turma debateu a possibilidade da aplicação de
multa acima do patamar de 2% para o devedor contumaz de despesas
condominiais, tendo por fundamento a regra inserida no artigo 1.337 do
CC.
O condomínio do Edifício Brasília Trade Center ajuizou ação
contra o Grupo Ok Construções e Empreendimentos objetivando a cobrança
de taxas condominiais ordinárias e extraordinárias (
REsp 1.247.020).
O
juízo de primeiro grau condenou o devedor ao pagamento das despesas não
pagas, com acréscimo de juros de mora, correção monetária e multa
moratória de 2%. Contudo, afastou a aplicação da multa de 10% fixada em
assembleia geral. Em grau de apelação, a sentença foi reformada para
possibilitar a cobrança da multa.
“A utilização do termo
‘reiteradamente’ pelo caput do artigo 1.337 exprime conduta repetida,
renovada e repisada pelo condômino”, observou o relator, ministro
Salomão. Além disso, em seu entendimento, “o estatuto civil exige um
agravamento da conduta capaz de colocar em risco a convivência com os
demais condôminos, colocando em perigo, inclusive, a sua própria
solvência financeira”.
Via judicial
Quanto
ao caso específico, ele observou no acórdão do tribunal de origem que,
desde 2002, todos os pagamentos efetuados pelo Grupo Ok foram feitos por
via judicial, com atrasos que chegavam a mais de dois anos.
Para
ele, os deveres da boa-fé objetiva foram violados, “principalmente na
vertente da cooperação e lealdade, devendo o julgador rechaçar
veementemente atitudes graves que colocam em risco a continuidade da
propriedade condominial”.
Diante das constatações, Salomão concluiu que a conduta do devedor se amoldava ao preceito legal do
caput
do artigo 1.337 do CC, “pois se trata de evidente devedor contumaz de
débitos condominiais, apto a ensejar a aplicação da penalidade
pecuniária ali prevista”.
A Quarta Turma, por maioria de votos, negou provimento ao recurso especial do Grupo Ok Construções e Empreendimentos.
Jurisprudência em Teses
Esta matéria foi redigida com base em teses apontadas pela Secretaria de Jurisprudência do STJ na 68º edição de
Jurisprudência em Teses, sob o tema Condomínio.
Para visualizar o conteúdo da seleção, com 17 teses sobre o assunto, acesse o menu Jurisprudência na página inicial e abra o
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