Autos n.º:
5228768.22.2020.8.09.0006
SOCIEDADE
RESIDENCIAL ANAVILLE, pessoa jurídica de direito privado, ajuizou mandado de
segurança com pedido liminar em face das Autoridades rés SECRETÁRIO MUNICIPAL
DE SAÚDE DE ANÁPOLIS e COORDENADOR DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DO MUNICÍPIO DE
ANÁPOLIS.
Como fundamento
de sua pretensão, diz atuar como associação sem fins lucrativos, constituída
para administrar loteamento fechado instalado nesta cidade, nos termos do
artigo 6º da Lei 2.681/00.
Informa que
mantém na área comum do loteamento administrado um centro de condicionamento
físico constituído por academia e quadras de tênis, squash e peteca para
utilização dos moradores.
Informa que
celebrou contrato de prestação de serviço com a empresa CEG CONDICIONAMENTO
FÍSICO para gerenciar a academia e atender os moradores do condomínio.
Sustenta que,
após o advento da pandemia de Covid 19, o Município de Anápolis e o Governo do
Estado de Goiás editaram os Decretos nº 44.826/2020 e 9633/20, respectivamente,
disciplinando quais atividades econômicas podem continuar atuando durante a
crise sanitária e quais serão interrompidas para evitar aglomerações que possam
potencializar a transmissão do vírus.
Conta que a
Vigilância Sanitária, a pretexto de combater a pandemia, notificou a impetrante
em 07/05/2020 para cumprir o artigo 3º, inciso I, do Decreto Estadual 9656/20, que proibiu o uso das áreas comuns dos
condomínios, incluindo-se nesta restrição a academia de ginástica
administrada pela empresa CEG e as quadras esportivas de tênis, squash e
peteca.
Sustenta que
a proibição é ilegal porque a prestação do serviço de condicionamento físico em
academia foi enquadrada como exceção no Decreto Federal n.º 10.282/20 que se
sobrepõe à limitação estadual e municipal.
Sustenta,
ademais, que o Município de Anápolis flexibilizou a atuação de várias
atividades nos limites do Município, estando, dentre elas, o funcionamento das academias,
nos termos do Decreto Municipal 44.826/20.
Diz que o
TJGO acolheu também pedido do sindicato das academias do Estado, em sede de
mandado de segurança coletivo, permitindo o funcionamento destes centros de
treinamento observando-se o limite de 30% de sua capacidade.
Argumenta que
o uso das quadras de tênis, squash e peteca pelos moradores não oferece risco
de propagação da COVID-19 por se tratarem de esportes cuja prática não enseja
contato físico, nem aglomeração.
Diz que as
Autoridades Coatoras violaram o direito líquido e certo da impetrante de
disponibilizar a seus associados a utilização da academia e das quadras.
Requer, ao
final, a concessão de liminar sustando a proibição.
No mérito,
roga a confirmação da liminar.
Em seguida,
vieram-me conclusos.
É o
relatório.
Decido.
A liminar deve ser negada.
A Organização
Mundial de Saúde, em 11/03/20, reconheceu que o avanço do surto de COVID 19
caracteriza uma situação de pandemia mundial e, na esteira do enfrentamento da
crise sanitária, foi editada a Lei Federal 13.979/20 dispondo sobre as medidas
que poderão ser adotadas pelas Autoridades Públicas para administrar a emergência
de saúde de importância internacional.
O art. 2º,
inciso II, daquela norma, estabeleceu que se considera como situação de
quarentena a eventual necessidade de se restringir atividades de natureza
econômica e social para possibilitar o isolamento da população para evitar a propagação
do vírus, reconhecido como melhor medida atualmente recomendada por especialistas
para se prevenir o aumento vertiginoso da curva de contágio que pode levar ao
colapso do sistema de saúde. Vejamos:
Art. 2º -
Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
II -
quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de
contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres,
animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de
maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.
Grifei.
Justamente
por isso, temos que a própria Lei Federal 13.979/20 também delegou aos gestores
locais do sistema público de saúde, no caso, Estados e Municípios, a
possibilidade de adotarem na esfera de suas competências a medida de quarentena
compreendida como restrição de certas atividades, conforme reza o artigo 3º,
inciso II, e seu § 7º. Vejamos:
Art. 3º Para
enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional
decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas
competências,
dentre
outras, as seguintes medidas:
I -
isolamento;
II -
quarentena;
§ 7º - As
medidas previstas neste artigo poderão ser adotadas:
I - pelo
Ministério da Saúde;
II - pelos
gestores locais de saúde, desde que autorizados pelo
Ministério da
Saúde, nas hipóteses dos incisos I, II, V, VI e VIII do caput deste artigo; ou
III - pelos
gestores locais de saúde, nas hipóteses dos incisos III, IV e VII do caput
deste artigo. Grifei.
Na esteira
desta previsão, o Estado de Goiás editou o Decreto Estadual 9.633/20,
posteriormente alterado pelo Decreto 9.653/20, reconhecendo o estado de
calamidade pública estadual com duração provável até 31/12/2020 e, como medida
de enfrentamento da pandemia, impôs restrições de funcionamento a vários entes
de natureza pública (escolas, repartições, etc) e instituições do setor
econômico privado (comércio, indústria, condomínios, etc) para fomentar o isolamento
social da população, defendido por especialistas como única medida eficaz para
controlar a curva de contágio do vírus e evitar a saturação precoce do sistema
de saúde.
O Município
de Anápolis, espelhando a iniciativa estadual, editou o Decreto Municipal
44.691/20, posteriormente aditado pelo Decreto Municipal 44.826/20, mantendo a
situação de calamidade pública decretada em março/20 e estabelecendo protocolos
de funcionamento para vários setores econômicos com foco na restrição da mobilidade
da população, permitindo a continuidade de algumas atividades econômicas e
sociais mediante o cumprimento de regras condicionantes preventivas.
No caso
particular dos autos, é fato que o Decreto Estadual 9656/20, no seu artigo 3º,
inciso I, estabeleceu que os condomínios deveriam proibir reuniões e o uso de
áreas comuns dos residenciais, tais como churrasqueiras, quadras
poliesportivas, piscinas, salões de jogos, academias de ginástica, bem como, o
compartilhamento de estruturas com potencial para gerar a propagação da
COVID-19. Vejamos:
Art. 3º Ficam
também suspensos:
I - todos os
eventos públicos e privados de quaisquer natureza, inclusive reuniões e o uso
de áreas comuns dos condomínios, tais como churrasqueiras, quadras
poliesportivas, piscinas, salões de jogos e festas, academias de ginástica,
espaços de uso infantil, salas de cinemas e/ou
demais
equipamentos sociais que ensejem aglomerações e que sejam propícios à
disseminação da COVID-19; Grifei.
A própria
impetrante confessa em sua peça inicial que a notificação expedida pela Vigilância Sanitária teve como destinatário direto o
condomínio onde a academia e as quadras esportivas funcionam, ordenando que
fizesse cessar atividades de condicionamento físico nestes ambientes comuns do
residencial para prevenção da pandemia mundial de COVID 19.
Pois bem, uma
vez estabelecido o motivo da notificação, não diviso, a princípio, ilegalidade
ou abuso na restrição imposta pelo Decreto Estadual e replicada na notificação
da Autoridade ré.
A associação
impetrante deve compreender que a previsão estadual se insere no contexto
justificado de necessidade premente de combate à pandemia que, inegavelmente,
se sobrepõe ao desejo puro e simples da sociedade e alguns moradores de
continuar utilizando equipamentos de ginástica da academia e/ou quadras
esportivas comuns.
A permissão para que os condôminos sigam
utilizando a academia de ginástica comum instalada nos limites do residencial e
as quadras esportivas internas pode potencializar a circulação excessiva de
pessoas, as aglomerações nas áreas comuns e o uso compartilhado de equipamentos
com suficiência para gerar risco presumível de disseminação do vírus.
A intenção
primordial da norma, em verdade, é provocar a diminuição da circulação de
pessoas nos limites internos do residencial e vedar o compartilhamento de
equipamentos para se evitar a rápida propagação do vírus com impacto negativo
para o sistema de saúde e os próprios moradores.
Trata-se, inegavelmente, de uma limitação
fundada em imperativo de saúde pública que se sobrepõe ao interesse particular
dos moradores condominiais e, em última instância, serve para protegê-los de
sua própria imprudência sanitária.
Os argumentos
exculpantes trazidos pela impetrante para se colocar acima da justificada
restrição estadual, por sua vez, se mostram insubsistentes.
Primeiro, pontuo que o Decreto Presidencial n.º
10.282/20, inserindo a atuação das academias entre as atividades essenciais é
meramente sugestivo, pois o STF definiu que compete aos Estados e Municípios
definir com absoluta prioridade e, de forma discricionária, quais são os
setores da vida social que devem ser descontinuados para o combate da pandemia,
fazendo-o conforme os indicadores e as recomendações locais de suas autoridades de saúde.
A alegação de
que o Município de Anápolis flexibilizou a atuação das academias de ginástica,
por sua vez, permitindo que elas voltassem a funcionar seguindo protocolos de
segurança específicos, também não se aplica ao caso da impetrante que, como
vimos, mantém uma academia dentro do condomínio residencial cuja gerência foi
apenas delegada à empresa contratada. O mesmo pode ser dito da decisão do TJGO que
atendeu ao pedido liminar feito pelo sindicato das academias do Estado e
permitiu que funcionassem observando o limite de 30% da capacidade.
A
flexibilização da atuação de academias pelo município, via Decreto Municipal
número 44.826/20, e também pelo TJGO, via liminar mandamental, se aplica obviamente
às academias que atuam comercialmente e tem sede própria funcionando fora dos
limites dos residenciais para atendimento de seus clientes, não podendo se estendida
para as academias mantidas pelos condomínios nos limites internos de seu residencial
para uso dos moradores.
A
diferenciação se justifica porque as academias que funcionam como estabelecimentos
comerciais autônomos tem sede própria desvinculada do ambiente do condomínio,
reduzindo os riscos de contágio de moradores de um mesmo residencial.
No caso das
academias existentes dentro dos residenciais, por outro lado, a permissão para
que continuem sendo usadas por moradores aumenta a circulação no ambiente
interno do condomínio e o compartilhamento de equipamentos potencializa o risco
de contágio tanto para os incautos usuários destas áreas comuns, como também para
os demais moradores que não desejam fazer uso delas, mas, acabam submetidos ao
risco de contágio pela imprevidência de outros.
Justamente
por isso é que o Decreto Estadual estabeleceu que os ambientes internos de
recreação do condomínio devem ter sua fruição obstada e não há abuso ou
teratologia nesta restrição.
Não diviso,
portanto, a fumaça do bom direito na pretensão que foi apresentada pela
impetrante e, por isso, fica indeferida a liminar.
Notifiquem-se
as Autoridades Coatoras sobre os termos da presente ação, entregando-lhes a
segunda via da petição apresentada, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias,
prestem as informações que entender pertinentes.
Intime-se,
ainda, a Procuradoria-Geral do Município de Anápolis para atuar na defesa das
Autoridades Coatoras.
Anápolis, 25
de maio de 2020.
CARLOS
EDUARDO RODRIGUES DE SOUSA
Juiz de
Direito