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terça-feira, 26 de maio de 2020

JUIZ NEGA ABERTURA DE ACADEMIA EM CONDOMÍNIO

Autos n.º: 5228768.22.2020.8.09.0006

SOCIEDADE RESIDENCIAL ANAVILLE, pessoa jurídica de direito privado, ajuizou mandado de segurança com pedido liminar em face das Autoridades rés SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE DE ANÁPOLIS e COORDENADOR DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DO MUNICÍPIO DE ANÁPOLIS.

Como fundamento de sua pretensão, diz atuar como associação sem fins lucrativos, constituída para administrar loteamento fechado instalado nesta cidade, nos termos do artigo 6º da Lei 2.681/00.

Informa que mantém na área comum do loteamento administrado um centro de condicionamento físico constituído por academia e quadras de tênis, squash e peteca para utilização dos moradores.

Informa que celebrou contrato de prestação de serviço com a empresa CEG CONDICIONAMENTO FÍSICO para gerenciar a academia e atender os moradores do condomínio.

Sustenta que, após o advento da pandemia de Covid 19, o Município de Anápolis e o Governo do Estado de Goiás editaram os Decretos nº 44.826/2020 e 9633/20, respectivamente, disciplinando quais atividades econômicas podem continuar atuando durante a crise sanitária e quais serão interrompidas para evitar aglomerações que possam potencializar a transmissão do vírus.

Conta que a Vigilância Sanitária, a pretexto de combater a pandemia, notificou a impetrante em 07/05/2020 para cumprir o artigo 3º, inciso I, do Decreto Estadual 9656/20, que proibiu o uso das áreas comuns dos condomínios, incluindo-se nesta restrição a academia de ginástica administrada pela empresa CEG e as quadras esportivas de tênis, squash e peteca.

Sustenta que a proibição é ilegal porque a prestação do serviço de condicionamento físico em academia foi enquadrada como exceção no Decreto Federal n.º 10.282/20 que se sobrepõe à limitação estadual e municipal.

Sustenta, ademais, que o Município de Anápolis flexibilizou a atuação de várias atividades nos limites do Município, estando, dentre elas, o funcionamento das academias, nos termos do Decreto Municipal 44.826/20.

Diz que o TJGO acolheu também pedido do sindicato das academias do Estado, em sede de mandado de segurança coletivo, permitindo o funcionamento destes centros de treinamento observando-se o limite de 30% de sua capacidade.

Argumenta que o uso das quadras de tênis, squash e peteca pelos moradores não oferece risco de propagação da COVID-19 por se tratarem de esportes cuja prática não enseja contato físico, nem aglomeração.

Diz que as Autoridades Coatoras violaram o direito líquido e certo da impetrante de disponibilizar a seus associados a utilização da academia e das quadras.

Requer, ao final, a concessão de liminar sustando a proibição.

No mérito, roga a confirmação da liminar.

Em seguida, vieram-me conclusos.

É o relatório.

Decido.

A liminar deve ser negada.

A Organização Mundial de Saúde, em 11/03/20, reconheceu que o avanço do surto de COVID 19 caracteriza uma situação de pandemia mundial e, na esteira do enfrentamento da crise sanitária, foi editada a Lei Federal 13.979/20 dispondo sobre as medidas que poderão ser adotadas pelas Autoridades Públicas para administrar a emergência de saúde de importância internacional.

O art. 2º, inciso II, daquela norma, estabeleceu que se considera como situação de quarentena a eventual necessidade de se restringir atividades de natureza econômica e social para possibilitar o isolamento da população para evitar a propagação do vírus, reconhecido como melhor medida atualmente recomendada por especialistas para se prevenir o aumento vertiginoso da curva de contágio que pode levar ao colapso do sistema de saúde. Vejamos:

Art. 2º - Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
II - quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus. Grifei.

Justamente por isso, temos que a própria Lei Federal 13.979/20 também delegou aos gestores locais do sistema público de saúde, no caso, Estados e Municípios, a possibilidade de adotarem na esfera de suas competências a medida de quarentena compreendida como restrição de certas atividades, conforme reza o artigo 3º, inciso II, e seu § 7º. Vejamos:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências,
dentre outras, as seguintes medidas:

I - isolamento;
II - quarentena;

§ 7º - As medidas previstas neste artigo poderão ser adotadas:

I - pelo Ministério da Saúde;
II - pelos gestores locais de saúde, desde que autorizados pelo
Ministério da Saúde, nas hipóteses dos incisos I, II, V, VI e VIII do caput deste artigo; ou
III - pelos gestores locais de saúde, nas hipóteses dos incisos III, IV e VII do caput deste artigo. Grifei.

Na esteira desta previsão, o Estado de Goiás editou o Decreto Estadual 9.633/20, posteriormente alterado pelo Decreto 9.653/20, reconhecendo o estado de calamidade pública estadual com duração provável até 31/12/2020 e, como medida de enfrentamento da pandemia, impôs restrições de funcionamento a vários entes de natureza pública (escolas, repartições, etc) e instituições do setor econômico privado (comércio, indústria, condomínios, etc) para fomentar o isolamento social da população, defendido por especialistas como única medida eficaz para controlar a curva de contágio do vírus e evitar a saturação precoce do sistema de saúde.

O Município de Anápolis, espelhando a iniciativa estadual, editou o Decreto Municipal 44.691/20, posteriormente aditado pelo Decreto Municipal 44.826/20, mantendo a situação de calamidade pública decretada em março/20 e estabelecendo protocolos de funcionamento para vários setores econômicos com foco na restrição da mobilidade da população, permitindo a continuidade de algumas atividades econômicas e sociais mediante o cumprimento de regras condicionantes preventivas.

No caso particular dos autos, é fato que o Decreto Estadual 9656/20, no seu artigo 3º, inciso I, estabeleceu que os condomínios deveriam proibir reuniões e o uso de áreas comuns dos residenciais, tais como churrasqueiras, quadras poliesportivas, piscinas, salões de jogos, academias de ginástica, bem como, o compartilhamento de estruturas com potencial para gerar a propagação da COVID-19. Vejamos:

Art. 3º Ficam também suspensos:
I - todos os eventos públicos e privados de quaisquer natureza, inclusive reuniões e o uso de áreas comuns dos condomínios, tais como churrasqueiras, quadras poliesportivas, piscinas, salões de jogos e festas, academias de ginástica, espaços de uso infantil, salas de cinemas e/ou
demais equipamentos sociais que ensejem aglomerações e que sejam propícios à disseminação da COVID-19; Grifei.

A própria impetrante confessa em sua peça inicial que a notificação expedida pela Vigilância Sanitária teve como destinatário direto o condomínio onde a academia e as quadras esportivas funcionam, ordenando que fizesse cessar atividades de condicionamento físico nestes ambientes comuns do residencial para prevenção da pandemia mundial de COVID 19.

Pois bem, uma vez estabelecido o motivo da notificação, não diviso, a princípio, ilegalidade ou abuso na restrição imposta pelo Decreto Estadual e replicada na notificação da Autoridade ré.
A associação impetrante deve compreender que a previsão estadual se insere no contexto justificado de necessidade premente de combate à pandemia que, inegavelmente, se sobrepõe ao desejo puro e simples da sociedade e alguns moradores de continuar utilizando equipamentos de ginástica da academia e/ou quadras esportivas comuns.

A permissão para que os condôminos sigam utilizando a academia de ginástica comum instalada nos limites do residencial e as quadras esportivas internas pode potencializar a circulação excessiva de pessoas, as aglomerações nas áreas comuns e o uso compartilhado de equipamentos com suficiência para gerar risco presumível de disseminação do vírus.

A intenção primordial da norma, em verdade, é provocar a diminuição da circulação de pessoas nos limites internos do residencial e vedar o compartilhamento de equipamentos para se evitar a rápida propagação do vírus com impacto negativo para o sistema de saúde e os próprios moradores.

Trata-se, inegavelmente, de uma limitação fundada em imperativo de saúde pública que se sobrepõe ao interesse particular dos moradores condominiais e, em última instância, serve para protegê-los de sua própria imprudência sanitária.

Os argumentos exculpantes trazidos pela impetrante para se colocar acima da justificada restrição estadual, por sua vez, se mostram insubsistentes.

Primeiro, pontuo que o Decreto Presidencial n.º 10.282/20, inserindo a atuação das academias entre as atividades essenciais é meramente sugestivo, pois o STF definiu que compete aos Estados e Municípios definir com absoluta prioridade e, de forma discricionária, quais são os setores da vida social que devem ser descontinuados para o combate da pandemia, fazendo-o conforme os indicadores e as recomendações locais de suas autoridades de saúde.

A alegação de que o Município de Anápolis flexibilizou a atuação das academias de ginástica, por sua vez, permitindo que elas voltassem a funcionar seguindo protocolos de segurança específicos, também não se aplica ao caso da impetrante que, como vimos, mantém uma academia dentro do condomínio residencial cuja gerência foi apenas delegada à empresa contratada. O mesmo pode ser dito da decisão do TJGO que atendeu ao pedido liminar feito pelo sindicato das academias do Estado e permitiu que funcionassem observando o limite de 30% da capacidade.

A flexibilização da atuação de academias pelo município, via Decreto Municipal número 44.826/20, e também pelo TJGO, via liminar mandamental, se aplica obviamente às academias que atuam comercialmente e tem sede própria funcionando fora dos limites dos residenciais para atendimento de seus clientes, não podendo se estendida para as academias mantidas pelos condomínios nos limites internos de seu residencial para uso dos moradores.

A diferenciação se justifica porque as academias que funcionam como estabelecimentos comerciais autônomos tem sede própria desvinculada do ambiente do condomínio, reduzindo os riscos de contágio de moradores de um mesmo residencial.

No caso das academias existentes dentro dos residenciais, por outro lado, a permissão para que continuem sendo usadas por moradores aumenta a circulação no ambiente interno do condomínio e o compartilhamento de equipamentos potencializa o risco de contágio tanto para os incautos usuários destas áreas comuns, como também para os demais moradores que não desejam fazer uso delas, mas, acabam submetidos ao risco de contágio pela imprevidência de outros.

Justamente por isso é que o Decreto Estadual estabeleceu que os ambientes internos de recreação do condomínio devem ter sua fruição obstada e não há abuso ou teratologia nesta restrição.

Não diviso, portanto, a fumaça do bom direito na pretensão que foi apresentada pela impetrante e, por isso, fica indeferida a liminar.

Notifiquem-se as Autoridades Coatoras sobre os termos da presente ação, entregando-lhes a segunda via da petição apresentada, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, prestem as informações que entender pertinentes.

Intime-se, ainda, a Procuradoria-Geral do Município de Anápolis para atuar na defesa das Autoridades Coatoras.

Anápolis, 25 de maio de 2020.
CARLOS EDUARDO RODRIGUES DE SOUSA
Juiz de Direito

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