A exigência
de apresentação de certidão negativa de Imposto Territorial Urbano
(IPTU) e Taxa de Limpeza Pública (TLP) para a prática de atos
relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a ele relativos,
pelos Cartórios de Notas e de Registro de Imóveis, vem sendo instituída
por leis municipais e atos normativos em todo o Brasil.
Na esfera do Distrito Federal, a título
ilustrativo, a exigência consta na Instrução Normativa nº 3, editada
pela Secretaria de Fazenda no ano de 2016. Nada obstante, normas
editadas pelas Fazendas municipais não podem impor condições a serem
cumpridas pelo interessado, para a lavratura e registro de título
translativo de propriedade, pois, segundo o princípio constitucional da
legalidade, “ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão
em virtude de lei”. Constitui escopo de uma instrução normativa
esclarecer procedimentos necessários para a execução das leis, jamais
inovar o ordenamento jurídico criando um requisito não previsto pela
norma originária.
Da mesma maneira, leis municipais
versando sobre a matéria padecem de inconstitucionalidade formal por
vício de competência, porquanto a Constituição Federal reserva à União
Federal o poder para legislar sobre registros públicos, nos termos do
artigo 22, inciso XXV.
Pretendem os municípios estabelecer instrumento invencível para cobrança de tributos, em verdadeira coação ao contribuinte
A circunstância faz lembrar dos artigos
19 e 21 da Lei Municipal de São Paulo nº 14.256/06, que condicionavam a
prática de quaisquer atos relacionados à transmissão de imóveis a
comprovação da quitação do pagamento de IPTU/TLP, sob pena de sujeição
dos notários e registradores ao pagamento de sanções pecuniárias. Ambos
os artigos foram declarados inconstitucionais pelo Órgão Especial do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) por afrontarem a
competência da União para legislar sobre o registro público, bem como a
do Poder Judiciário para disciplinar, fiscalizar e aplicar sanções aos
que exercem tais atividades.
À toda evidência, pretendem os
municípios estabelecer instrumento invencível para cobrança de tributos,
em verdadeira coação ao contribuinte que se vê obrigado a quitar o
débito tributário e a abrir mão da discussão administrativa ou judicial,
em casos em que há controvérsia sobre a validade da exação.
A administração fiscal tem à sua
disposição mecanismos próprios para a cobrança de seus créditos, não
podendo se utilizar de vias indiretas e sancionatórias como sucedâneo do
processo de cobrança de tributos. Não por acaso, o Supremo Tribunal
Federal (STF) tem reiteradamente reconhecido a inconstitucionalidade de
leis e atos normativos que constranjam o contribuinte, por vias
oblíquas, a recolher crédito tributário.
Merece destaque a ADI 394-1, julgada
procedente pelo STF para declarar a inconstitucionalidade do artigo 1º
inciso IV da Lei Federal nº 7.711/88, que exigia a quitação dos créditos
tributários exigíveis em operações de registro no Cartório de Registro
de Imóveis, por violar o direito fundamental ao exercício profissional e
de atividade econômica lícita; o contraditório e a ampla defesa; o
devido processo legal; e os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade.
Na ocasião, a Suprema Corte citou os
enunciados sumulares 70, 323 e 547, todos lastreados na premissa de que é
inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de
atividade econômica ou profissional quando utilizada como forma de
indução ou coação ao pagamento de tributos por configurar-se em sanção
política.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em
decisão recente, proferida à unanimidade, concluiu pela
dispensabilidade da comprovação de quitação de créditos tributários para
realizar operações no registro de imóveis, quando instado a analisar a
legalidade de provimento editado pela Corregedoria do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro que dispensou a apresentação de
certidão negativa de débito previdenciário em operações notariais.
De mais a mais, o débito tributário de
IPTU e TLP não está vinculado à pessoa do proprietário, mas acompanha o
próprio imóvel, de modo que a transferência de propriedade do imóvel não
prejudica o recebimento do crédito tributário pela Fazenda.
Os Cartórios de Notas e de Registro de
Imóveis, lamentavelmente, têm se submetido ao papel de auxiliar das
Fazendas Públicas na cobrança de tributos, a despeito da clara
ilegalidade das leis e atos normativos que estabelecem a exigência
prefalada. Dificultam, assim, a vida do cidadão, que acaba sendo forçado
a efetuar o pagamento de impostos muitas das vezes indevidos e, ao fim e
ao cabo, não cumprem seu papel com a autonomia técnica que o concurso e
a delegação de um serviço público confere aos mesmos.
Quanto aos municípios, e aos entes públicos em geral, deveriam primar pelo exemplo no cumprimento do ordenamento jurídico.
Por Ana Carolina Osorio
Ana Carolina Osorio é advogada
especializada em gestão de negócios imobiliários e construção civil;
membro da comissão de direito imobiliário da OAB/DF, e sócia do
escritório Osorio Batista Advogados
Fonte : Valor Econômico-04/07/2018.
Fonte: https://www.ibet.com.br/exigencia-ilegal-para-a-transmissao-de-imoveis/